FLAMENCO

 As raízes do Flamenco se formaram percorrendo influências de diversas origens. Podemos citar contribuições da música hindu, árabe, judaica, grega, castelhana etc. A forma como essas culturas se fundiram no Flamenco pode ser contada por uma história de longa data, cheia de lendas, más interpretações e perguntas ainda não esclarecidas.

Os ciganos do sul da Espanha (gitanos) criaram esta música dia a dia desde sua chegada a Andaluzia no século XV. Dentro e fora do Flamenco acredita-se que vieram de uma região do norte da Índia chamada Sid - atual Paquistão. Os ciganos tiveram que abandonar esta localidade devido a uma séria de conflitos bélicos e invasões de conquistadores estrangeiros. O fator desencadeador do exílio cigano teria sido a invasão de "Tamerian", descendente do famoso Gengis Khan. As tribos de Sid se mudaram para o Egito, onde permaneceram até sua expulsão.

Seu destino seguinte foi a antiga Checoslováquia, mas, conscientes de que não iriam ser acolhidos em parte alguma por serem numerosos, decidiram dividir-se em três grupos que se repartiram pela Europa. Estabeleceram-se na Rússia, Hungria, Polônia, Balcãs, Itália, França e Espanha. Os filhos do rei Sindel latinizaram seus nomes. Sindel passou a se chamar Miguel, András se converteu em Andrés e Pamuel em Manuel. O primeiro documento que certifica a entrada dos ciganos na Espanha é de 1447.

Pouco depois que chegaram os primeiros grupos de ciganos a Espanha, Cristóvão Colombo partiu para estabelecer uma nova rota até as Índias e acabou aportando na América. Os ciganos chegaram em um momento ruim, pois os reis católicos estavam empenhados em expulsar do país todo aquele que não fosse cristão e após a queda de Granada, em 1492, se iniciou uma série de expulsões e perseguições dos "não-católicos" (especialmente judeus e muçulmanos) que terminou somente séculos mais tarde.

Os ciganos tinham seus próprios costumes e tradições nômades. Além disso falavam o Caló, uma língua que desde a sua chegada assimilou partes do vocabulário castelhano que por sua vez adotou várias palavras ainda hoje usadas na Espanha, especialmente no sul. Os reis católicos proibiram o idioma Caló e os ciganos foram obrigados a fixarem suas residências e trabalhos.

Durante o século XVI muitos trabalharam e morreram nas minas, vivendo em casas construídas nas grutas de montanhas onde centenas de judeus, muçulmanos e ciganos pagãos se instalaram fugindo das conversões forçadas comandadas pelos governantes e pela Igreja. A maior parte das celebrações ciganas passaram a ser realizadas em segredo, inclusive quando os próprios ciganos eram convidados a tocarem em festas da alta sociedade. Nestas reuniões costumavam interpretar suas canções cujos textos falavam das injustiças cometidas contra eles pelas mesmas pessoas que os escutavam sem compreender os significados das letras.

Os principais centros e famílias flamencas se encontram ainda em bairros e cidades que serviram de refúgio para os ciganos: Alcalá, Utrera, Jerez, o Bairro de Triana em Sevilha. Com o tempo, as leis foram se tornando menos repressivas, os ciganos foram se integrando, e cada vez mais gente foi tomando interesse pelo Flamenco. Surgiram então os "payos" (não ciganos) decididos a conhecer e a interpretar a música cigana. Na música clássica alguns compositores buscaram inspiração nas melodias flamencas e dentro do mundo do violão é conhecido o intercâmbio contínuo entre músicos flamencos e clássicos.

A primeira transcrição da partitura de uma peça flamenca se encontra na ópera "A Máscara Afortunada" de Neri (Itália, século XVIII). Podemos dizer que no final do século XIX o Flamenco já havia estabelecido suas formas tal como se conhece hoje em dia. Por isso, é preciso lembrar-se sempre que o flamenco é uma música que nunca parou de evoluir desde suas origens e que permanece vivo e em constante transformação.

A dança flamenca é a expressão de um sentimento interior. Manifestação de um corpo que baila na mesma intensidade da emoção e personifica a todo momento, aquilo que está em suas raízes mais profundas e íntimas - “um grito de liberdade que jamais será perdido”.

 

O flamenco é uma linguagem, uma cultura de projeção internacional. Espontâneo em suas origens, enuncia através do canto, do baile e do toque da guitarra  sentimentos intensos e antagônicos. É a coluna vertebral de uma das mais antigas culturas mediterrâneas. Em suas “coplas” é crítico, misterioso, sensível, popular, sentencioso, dramático e religioso.

Como expressão artística, o flamenco nos dá a dimensão daquilo que nomeamos dor, abandono, solidão, desprezo, que são angústias pessoais  enfrentadas quotidianamente (admitimos sermos mortais, toleramos males do corpo, deixamos de ser amados, suportamos o desamparo , agüentamos a falta de apreço e as desconsiderações).  É esta dor que não tem responsáveis, não tem solução, que está  no fundo de toda e qualquer expressão artística e  muito especialmente nas raízes do que é flamenco.